16.12.09


Sou eu e tu. São eles. São eles connosco. São vocês comigo. Sou eu, tu, ele, ela... Somos nós. Grandes, enormes, gigantes. Perfeitos.
Não temos grande passado. Talvez nem tenhamos futuro. Mas o presente é nosso. É meu e do teu sorriso, meu e do cheiro dela, meu e do colo dele, meu e das vossas mãos, braços, pernas. Meu e vosso. Meu e nosso.
Não sei o que somos...Se somos o sol da madrugada ou a ténue luz fria da noite. Se somos a música ou a dança. O vermelho ou o branco. O vento de Outono ou o orvalho de Primavera. Sei que somos. Sou eu e tu. São eles. São eles connosco. São vocês comigo. Sou eu, tu, ele, ela... Somos nós.
Vivo no vosso conto de fadas. Vivem no meu. São o que mais importa. São a única coisa que importa. São o "felizes para sempre", mesmo que o sempre não nos pertença. Somos como somos. Somos assim. Grandes, enormes, gigantes. Perfeitos.

30.11.09


"Pára tempo, pára (97). Pára tempo, pára (98). Pára tempo, pára (99)." murmuro eu na noite escura, embrulhada em mim mesma e na minha podridão de vida. Mais uma lágrima. A outra entretanto secou. "Pára. Pára.(100)" Agarro os joelhos firmemente contra o peito e seco os olhos na flanela do pijama. "Por favor".

E o tempo parou.

Certifico-me de que tudo está quieto. Está mesmo tudo quieto. Todo e qualquer movimento cessou, todas as expressões se congelaram, como numa fotografia a dimensões reais. Então, descalça pelas ruas imóveis, passeio o meu corpo doente. Não em vão, não. Não vagueio sem destino. Sei exactamente onde me levam os meus passos.
É ver-te assim imóvel que me cura. Exploro cada traço do teu rosto com a ponta dos dedos, primeiro, e depois com os lábios. Num ímpeto de algo que não sei se é raiva se é paixão, arranco-te as roupas do corpo hirto. Choro (eu choro muito). Sinto repulsa de mim própria. Volto a vestir-te, componho o teu cabelo entretanto desalinhado e beijo-te a testa, agora sem paixão, agora sem desejo. "Adeus, meu amor".

Recuo e o tempo avança.

Estou onde sempre estive"Pára tempo, pára (101). Pára tempo, pára (102)." Podia ficar nisto a noite toda. Mas o tempo não pára. Nem eu. Nem tu.

9.11.09

"I'm not taking my pills today"

30.9.09

Pirilampos e goludices



Quando for grande quero ser criança.
Quero fazer uma birra à porta de casa. Quero juntar pirilampos numa caixa de fósforos para o caso de não haver electricidade. Quero que os tios dos primos dos maridos das minhas avós, alguns de risca do cabelo na orelha, alguns de bigode, alguns de boquilha, olhem para mim com um olhar surdo e perguntem "Que idade tens tu já?". Quero rapar o tacho do arroz doce com o indicador vagaroso. Quero mostrar às meninas lá da escola que já sei fazer nós nos cordeis das sapatilhas. Quero apoiar a abolição permanente da sopa às refeições, substituindo-a por arroz doce. Quero que falte a luz para eu libertar os pirilampos, introduzindo na escuridão uma fosforescência salvadora. Quero que os tios dos primos dos maridos das minhas avós, alguns de risca do cabelo na orelha, alguns de bigode, alguns de boquilha, arregalem os olhos quando eu disser que já tenho quase 7 anos e meio. Quero esperar meia hora na fila do baloiço, só para me balançar nele por 10 segundos. Quero irritar o meu pai de propósito, num dia de peixe cozido ao jantar, só para que ele me diga "Vais para a cama sem comer".Quero fazer as pazes com ele com um medo terrível que me proíba também de comer a sobremesa.

28.9.09



Toda a vida é um sonho. Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do Destino. Por isso sinto, se penso com esta sensação, uma ternura informe por toda a humanidade infantil, por toda a vida social dormente, por todos, por tudo.

Livro do Desassossego

21.9.09


Vem quase nua, rasgada de dor. Traz uma cruz de sangue no peito. Sem poder mais carregar o corpo, cai de joelhos no chão. Arranca do chão um pedaço de terra seca, seca como as suas lágrimas, seca como o seu coração. Enfia-a na boca, como se se empanturrasse do algo que lhe falta no estômago. Grita, com toda a sua voz e com todas aquelas que não lhe pertencem, um grito mudo. .. Está só?

Há mulheres que lutam todos os dias.

8.9.09

O fado nosso de cada dia


Chiu...Está a dar música no meu peito. Ouço o seu eco na minha mente semi-vaga. O silêncio é a minha inspiração. O escuro, a minha pauta. Sou a maestrina e marco o compasso vigorosamente dando sacudidelas no ar pesado. Entram agora os violoncelos que choram notas graves. O piano repete a melodia de base éne vezes à medida que os dedos finos e compridos deslizam pelo preto e branco.
Estão a tocar-te, ouves?. O contrabaixo marca os teus passos, os violinos desenham os teus cabelos. Ah, o clarinete...os teus olhos-de-avelã. O flautim guincha pelos teus lábios doces (eu decorei-lhes o sabor) e tudo se cala quando chega a tua voz de solista.
És a mais bela das óperas. Ou serás fado? És fado. Posso acompanhar-te? Prometo ser afinada. Dá-me um lá. Dá-me a mão. E agora silêncio que se vai cantar o fado.

22.7.09

Serve-se quente



No fundo da minha rua há um café em tons escarlate onde as pessoas entram num passo apressado como a vida, olhos postos no chão. Sentam-se para beberem um café social ou embaciam as vitrines do balcão enquanto esperam pelo pão quente da última fornada. O murmúrio de fundo, o fumo dos cigarros, o bater dos pratos nas mesas ensurdecem-me o espírito. Os meus ouvidos ainda são capazes de captar, aqui e além, conversas alheias. O casal à direita discute quem é culpado pela má educação do filho mais novo. À esquerda, dois rapazes magramente feios, de olhar mórbido, falam (alto demais) de droga. Ao longe, uma miúda com voz de verniz estalado grita com a infeliz que tem ar de sua mãe.
"Para mim é uma meia de leite. Directa, por favor". A mistura rica do cheiro do café com o do leite embebeda-me. Fecho os olhos para melhor beber este momento só meu. Tornou-se uma rotina, uma necessidade, uma...sequência: mexe-prova-saboreia-pousa. Entrou um vendedor de totoloto, cego. O cheiro do seu pobre viver chega-me às narinas, mas o odor do café é mais forte. Mexe-prova-saboreia-pousa. Uma criança chora à entrada por uma caixa de pastilhas de morango. Mexe-prova-saboreia-pousa. Outras rotinas se dão. Uns ficam, outros saiem, alguns entram num passo apressado como a vida, olhos postos no chão.
Abençoada meia de leite. Mexe-prova-saboreia-pousa.

4.6.09

...8,9,10. Aqui vou eu!


Perdi a minha infância a jogar às escondidas. Eu era boa, era mesmo. Sabia sempre os melhores esconderijos. Encolhia-me num recôndito qualquer, de joelhos ao peito e respirava baixinho. "Inêeeeeees?". A Inês não está cá. Está no mundo dela, a ouvir um arco-íris sussurrar-lhe memórias pueris. "Só falta a Inês. Onde está a Inês?". Eu ria-me, debaixo do lava-louça.
Um dia fartei-me. Apercebi-me de que queria jogos de meninas grandes e que as escondidas era para gente miúda. Cortei as tranças.
Hoje dava tudo para ainda caber debaixo do lava-louça. Dava tudo para ainda ter idade para jogar às escondidas. Dava tudo para voltar a ser criança. Preciso tanto de um buraco apertado onde me encolher (caramba, já não caibo em lado nenhum). Maldita a hora em que deixei de ser menina. Tenho saudades do bibe amarelo.

Como era? 1,2,3 Inês não salva ninguém?

20.5.09

Perdão

Não desapareci. A todos aqueles (eina tantoooooooos!!!!!) que têm esperado pacientemente por mais um rascunho amarrutado de palavras soltas, não desesperem. Vivem-se tempos difíceis por aqui. Mal há tempo para tirar as remelas do canto do olho!
Mas a revolução aproxima-se. E com ela, palavras bonitas e olhos lavados.
Abraços.

17.4.09

Conversas de jardim

"Um dia vou ser feliz, não vou?"
"Pode ser já hoje."
"Hoje não. Tenho uma comichão danada no dedo do pé."
"E isso impede-te de ser feliz?"
"Não. Mas impede-me de correr toda nua pelos prados a proclamar a minha felicidade."
"És miserável, sabias?"
"Mas um dia vou ser feliz."

Momento Oreo



Dou por mim a pensar em como deixei de ser capaz de apreciar pequenos momentos da vida. Momentos bonitos que derretem na alma como chocolates na boca. Falta de tempo? (Tretas.) Falta de inspiração, talvez. Mas sinto-me um tanto vazia sem eles. Sem o prazer de passar as mãos por um caderno novo a cheirar a fábrica, ou sem o baque-baque de um coração apaixonado. Sem...morangos com iogurte.
Um dia alguém me disse que "A vida são pormenores. A verdadeira felicidade não dura mais que uma hora!". Virei costas e roí o lábio superior numa tentativa de esconder o riso. Agora, no embalo das minhas quatro paredes soturnas e da minha música de cabeceira dou-lhe razão.
Mas o que me faz mesmo falta neste momento é uma Oreo para molhar no leite.

3.4.09

Rotina matinal



Acordo com um beijo frio na testa, ao som de três notas desafinadas de guitarra. Os meus pés descalços despertam o chilrear da madeira e assobio um acompanhamento improvisado em mi maior. Passeio o corpo semi-nú pela casa e dou pequenos goles no leite frio, simples. Sento-me em frente ao armário aberto e passo as costas das mãos pela roupa, como quem percorre as teclas de um piano, até saber o que me apetece vestir. Normalmente, opto por vestir o que a minha mãe chama de "Roupa sem jeito nenhum"; tradução: fato de treino velho e sujo.
- Vou lá fora!
- Fazer o quê?
- Correr por aí.
E vou. Desejo poder fechar os olhos enquanto corro, sentir cada osso dos pés pousar no asfalto, ouvir cada uma das milhões de recções que ocorre em cada uma das milhões de células do meu corpo. Sentir o sangue a banhar os tecidos musculares. Observar como o peso se distribuiu uniformemente pelos membros que baloiçam com o vento gélido matinal. Inspira, expira. Não há senão um corpo livre e despreocupado, até que as pernas me doam tanto que tenho de cair para a relva molhada de orvalho.
As manhãs sabem-me bem. Prefiro-as como leite: frias, simples.

2.4.09

Há pessoas que me enojam.

21.3.09

Bang bang (My baby shot me down)


"Vamos juntos?"
"Vou depois. Fico aqui com ela. Importas-te?"
(BANG BANG BANG)
"Não, claro que não."

Continuo a andar com o passo apressado. Ao chegar ao portão branco seco as lágrimas com um "Não sejas palerma" escrito na palma da mão. Amanhã é outro dia, certo?
(O passeio enche-se com o escarlate do meu sangue. Sinto os cabelos peganhentos e os lábios sujos. Os tacões passam-me ao lado e ninguém me oferece a mão, ninguém chama a ambulância. Deixam-me a morrer no chão.)

25.2.09

Para sempre

- Não olhes assim para mim. É só hoje...
- Mas porquê?
- Ando a ter pesadelos. Acordo sem saber onde estou, cansada, lavada em lágrimas e suor, lágrimas de suor. Acho que me vai fazer bem sentir o calor da tua respiração, ter os teus braços como escudos à volta da minha cintura. Até podias cantar para mim.
- Rejeitaste o meu amor durante anos.
- Foi, desculpa. Mas eu amo-te. É tarde demais?
- Não, nunca. Vou sempre amar-te.
- Eu sei, mãe. Deixas-me ou não dormir contigo?

9.2.09

Que cor é hoje?


Há dias cinzentos,
Sem cheiro, sem sabor,
Em que perguntas aos ventos, num sopro,
Se podem varrer a tua dor

Dias verdes,
Estranhos, quietos,
Que aparecem do nada
Para nos rasgarem os peitos abertos

Dias amarelos,
Parecem trazer alegria
Mas a única memória que deles ficam
São cigarros e dez copos de sangria

Dias brancos, és quietude

Dias vermelhos, és paixão
Dias roxos, és a ressaca da loucura
Que tentou afogar a solidão

Dias negros,
Dias reais.
Acordas de manhã
E descobres que não queres viver mais.

E porque hoje é cor-de-rosa
Escrevi em versos
O que só se expressa em prosa.

(Isto, é no que dá a melancolia:

Os parvos choram
E os tolos escrevem poesia)
De que cor foi o teu dia hoje?

3.2.09

Upside down


Hoje vou ser do contra. Vou usar as meias nas orelhas e as calças nos braços. Pintar as unhas com batôn e encher de rímel as pontas do cabelo. Vou andar com as mãos e correr com os cotovelos, atravessar a estrada pelo risco contínuo. Talvez lanche à hora do jantar e durma quando me tenho de levantar. Só para ser diferente, o meu coração vai bater do lado direito do peito.
A melancolia vai-me dar vontade de rir e as piadas far-me-ão chorar. Se me vires por aí, manda-me assobiar, que devo estar calada de tanto cantar.
Ejoh uov res od artnoc.
Apetece-me! Cansei-me de ser fiel ao padrão estrutural comum.
"Hei-de morrer de catarro nas unhas
ou de dor de estômago nas orelhas.
Até já me doem os joelhos
De coçar as sobrancelhas"

2.2.09

Alta competição


Corre, corre. Não pára, não olha, não abranda. Este és tu. Esta sou eu. Este é o mundo.
Somos todos atletas, queremos todos uma medalha, um lugar no pódio. Os nossos treinos diários envolvem quedas, envolvem sangue, envolvem lágrimas de suor que o esforço espremeu. Vemos a meta, ao longe, e
sprintamos. Mas, ironicamente, ela parece tremer cada vez mais longe. Começamos a sentirmo-nos fracos, sedentos, famintos da vitória que nos tínhamos prometido a nós mesmos...e nada nos impede de continuar. Estamos na pista para vencer e morreremos a tentar. Surdos, semi-cegos e mudos, corremos.
Não paramos. Não, não olhamos. E por não abrandarmos não nos damos conta de que os outros atletas ficaram para trás. Desistiram, caíram. Alguns ainda nos tentam acompanhar, acabando por desistir. E então morre o jogo. Sem adversários deixa de haver competição. Sem competição, o prémio deixa de ter sentido. Sem prémio, deixamo-nos desmaiar no chão e ficamos na demência.

Com sorte, alguém que nunca deixou de nos seguir chama uma ambulância.

27.1.09

Na ponta dos pés


Uma última pirueta, dois alongamentos e a aula acabou. Para ela não. Depois do suor e dos insultos, depois das cãimbras e feridas nos pés, depois das quedas e nódoas negras ela fica a sós com o espelho. Nua e descalça dança ao som dos seus próprios passos enquanto o resto do mundo fuma um cigarro. Agora caiu... Já está de pé.
No mais íntimo de todos os movimentos, os seus membros moldam-se à dor que quase não sente. O corpo arqueado, as linhas perfeitas e a elegância dos gestos pueris enchem o estúdio de sustenidos e bemóis para formar uma escala desconhecida. Não há ninguém. É como se dançasse no fundo do mar: os braços envolvem a água e os pés beijam a areia; um diálogo de sensualidade entre ela e o infinito.

O tempo passa, os músculos morrem e ela deixa de poder dançar. Mas ainda é bailarina. Lá fora, os cigarros apagam-se. E eles acendem outro.

20.1.09

Turistas de armário


Devagar, bem devagarinho, caminho nos nós dos dedos, não vá ele ouvir-me. A cada passo, a madeira chora o peso dos meus pés e eu rezo para que ele ainda esteja a dormir. Estico o braço para abrir a porta, "É agora. Não sejas cobarde. Um, dois três!". Nada. Espreito entre as fendas dos dedos que escondem o meu olhar marcado, de quem não dorme por terror. Não há sinal dele. Sinto um martelar compulsivo e regular no peito enquanto vasculho por vestígios da sua estadia. Nem uma dedada. O monstro do armário não me veio visitar hoje. O meu peito liberta-se, assim, de três quilos e meio. Lágrimas de alívio escapam-me e molham os meus lábios quentes. Dou por mim na janela a gritar que estou livre.
Festa despropositada. Se calhar, o monstro foi só lanchar.

7.1.09

Um dia destes...

Um dia destes vou amar-te.
Vou despir-me de tudo o que é meu, para que meu sejas só tu.
Vou deixar que o recôndito mais profundo do meu coração se alimente de ti, só de ti.
Vou viver numa verdadeira quimera de sonhos e fantasia.
Vou permitir-me chorar por ti.
Vou andar contigo de mãos dadas pela Lua.
Vou segredar-te a história da Carochinha até adormeceres.
Vou lançar-me de uma montanha só para te ouvir gritar "Não! Não vás! Eu AMO-TE!".
Vou adormecer no teu peito nú.
Vou pagar ao melhor perfumista para que isole num frasco o teu cheiro.
Vou beijar-te debaixo de uma tempestade tropical.
Vou ser feliz.
Chama-me louca.
Um dia destes chamo-te mentiroso.

5.1.09

Mergulho ao fim da tarde


Foi como mergulhar. Fácil, instintivo. Eras a água: doce, transparente e envolvias-me com toda a imensidão gélida do teu corpo. No início, o choque foi aterrador. Fez-me tremer. Queria fugir. Mas depois de me habituar, era lá fora que o espaço parecia frio e inóspito. Estava-se tão bem a flutuar nas tuas palavras que desejei poder entornar um pouco de ti numa garrafinha para te levar sempre comigo e beber de ti quando bem me apetecesse. Mas não te queria deformar, não. Então fui-me embrulhar numa toalha. À noite, nos lençóis. Nos meus cabelos, nos meus braços, embrulhei-me no ar mas, oh, estava sozinha outra vez. Estou sempre sozinha. Contigo também estava sozinha. Mas era bom, afogavas este meu medo. Agora que me fui do teu abraço, ele renasceu. Mais forte que nunca.