Quando for grande quero ser criança.
Quero fazer uma birra à porta de casa. Quero juntar pirilampos numa caixa de fósforos para o caso de não haver electricidade. Quero que os tios dos primos dos maridos das minhas avós, alguns de risca do cabelo na orelha, alguns de bigode, alguns de boquilha, olhem para mim com um olhar surdo e perguntem "Que idade tens tu já?". Quero rapar o tacho do arroz doce com o indicador vagaroso. Quero mostrar às meninas lá da escola que já sei fazer nós nos cordeis das sapatilhas. Quero apoiar a abolição permanente da sopa às refeições, substituindo-a por arroz doce. Quero que falte a luz para eu libertar os pirilampos, introduzindo na escuridão uma fosforescência salvadora. Quero que os tios dos primos dos maridos das minhas avós, alguns de risca do cabelo na orelha, alguns de bigode, alguns de boquilha, arregalem os olhos quando eu disser que já tenho quase 7 anos e meio. Quero esperar meia hora na fila do baloiço, só para me balançar nele por 10 segundos. Quero irritar o meu pai de propósito, num dia de peixe cozido ao jantar, só para que ele me diga "Vais para a cama sem comer".Quero fazer as pazes com ele com um medo terrível que me proíba também de comer a sobremesa.