25.2.09

Para sempre

- Não olhes assim para mim. É só hoje...
- Mas porquê?
- Ando a ter pesadelos. Acordo sem saber onde estou, cansada, lavada em lágrimas e suor, lágrimas de suor. Acho que me vai fazer bem sentir o calor da tua respiração, ter os teus braços como escudos à volta da minha cintura. Até podias cantar para mim.
- Rejeitaste o meu amor durante anos.
- Foi, desculpa. Mas eu amo-te. É tarde demais?
- Não, nunca. Vou sempre amar-te.
- Eu sei, mãe. Deixas-me ou não dormir contigo?

9.2.09

Que cor é hoje?


Há dias cinzentos,
Sem cheiro, sem sabor,
Em que perguntas aos ventos, num sopro,
Se podem varrer a tua dor

Dias verdes,
Estranhos, quietos,
Que aparecem do nada
Para nos rasgarem os peitos abertos

Dias amarelos,
Parecem trazer alegria
Mas a única memória que deles ficam
São cigarros e dez copos de sangria

Dias brancos, és quietude

Dias vermelhos, és paixão
Dias roxos, és a ressaca da loucura
Que tentou afogar a solidão

Dias negros,
Dias reais.
Acordas de manhã
E descobres que não queres viver mais.

E porque hoje é cor-de-rosa
Escrevi em versos
O que só se expressa em prosa.

(Isto, é no que dá a melancolia:

Os parvos choram
E os tolos escrevem poesia)
De que cor foi o teu dia hoje?

3.2.09

Upside down


Hoje vou ser do contra. Vou usar as meias nas orelhas e as calças nos braços. Pintar as unhas com batôn e encher de rímel as pontas do cabelo. Vou andar com as mãos e correr com os cotovelos, atravessar a estrada pelo risco contínuo. Talvez lanche à hora do jantar e durma quando me tenho de levantar. Só para ser diferente, o meu coração vai bater do lado direito do peito.
A melancolia vai-me dar vontade de rir e as piadas far-me-ão chorar. Se me vires por aí, manda-me assobiar, que devo estar calada de tanto cantar.
Ejoh uov res od artnoc.
Apetece-me! Cansei-me de ser fiel ao padrão estrutural comum.
"Hei-de morrer de catarro nas unhas
ou de dor de estômago nas orelhas.
Até já me doem os joelhos
De coçar as sobrancelhas"

2.2.09

Alta competição


Corre, corre. Não pára, não olha, não abranda. Este és tu. Esta sou eu. Este é o mundo.
Somos todos atletas, queremos todos uma medalha, um lugar no pódio. Os nossos treinos diários envolvem quedas, envolvem sangue, envolvem lágrimas de suor que o esforço espremeu. Vemos a meta, ao longe, e
sprintamos. Mas, ironicamente, ela parece tremer cada vez mais longe. Começamos a sentirmo-nos fracos, sedentos, famintos da vitória que nos tínhamos prometido a nós mesmos...e nada nos impede de continuar. Estamos na pista para vencer e morreremos a tentar. Surdos, semi-cegos e mudos, corremos.
Não paramos. Não, não olhamos. E por não abrandarmos não nos damos conta de que os outros atletas ficaram para trás. Desistiram, caíram. Alguns ainda nos tentam acompanhar, acabando por desistir. E então morre o jogo. Sem adversários deixa de haver competição. Sem competição, o prémio deixa de ter sentido. Sem prémio, deixamo-nos desmaiar no chão e ficamos na demência.

Com sorte, alguém que nunca deixou de nos seguir chama uma ambulância.