22.7.09

Serve-se quente



No fundo da minha rua há um café em tons escarlate onde as pessoas entram num passo apressado como a vida, olhos postos no chão. Sentam-se para beberem um café social ou embaciam as vitrines do balcão enquanto esperam pelo pão quente da última fornada. O murmúrio de fundo, o fumo dos cigarros, o bater dos pratos nas mesas ensurdecem-me o espírito. Os meus ouvidos ainda são capazes de captar, aqui e além, conversas alheias. O casal à direita discute quem é culpado pela má educação do filho mais novo. À esquerda, dois rapazes magramente feios, de olhar mórbido, falam (alto demais) de droga. Ao longe, uma miúda com voz de verniz estalado grita com a infeliz que tem ar de sua mãe.
"Para mim é uma meia de leite. Directa, por favor". A mistura rica do cheiro do café com o do leite embebeda-me. Fecho os olhos para melhor beber este momento só meu. Tornou-se uma rotina, uma necessidade, uma...sequência: mexe-prova-saboreia-pousa. Entrou um vendedor de totoloto, cego. O cheiro do seu pobre viver chega-me às narinas, mas o odor do café é mais forte. Mexe-prova-saboreia-pousa. Uma criança chora à entrada por uma caixa de pastilhas de morango. Mexe-prova-saboreia-pousa. Outras rotinas se dão. Uns ficam, outros saiem, alguns entram num passo apressado como a vida, olhos postos no chão.
Abençoada meia de leite. Mexe-prova-saboreia-pousa.